Para Profissionais

Entrevista com Dr. Marcelo Mascarenhas: DTM, formação acadêmica e mercado

Com 30 anos de experiência e estudos na área das Disfunções Temporomandibulares e Dores Orofaciais (DTM / DOF), o Cirurgião-Dentista e Fisioterapeuta Marcelo Mascarenhas é um dos mais respeitados especialistas nessa área no Brasil. Entre seus títulos destacam-se o fato de ser Membro Emérito da Comissão de DTM e Dor Orofacial do CRO-MG e também o ex-presidente do Comitê de DTM / DOF da Sociedade Brasileira de Estudo da Dor.

Aqui ele nos fala um pouco sobre a história dessa nova e concorrida especialidade odontológica (reconhecida apenas em 2002), bem como sobre aspectos relacionados à formação profissional e o mercado de trabalho na especialidade. Segundo Marcelo, as DTM compreendem uma variedade de condições que afetam a anatomia e as características funcionais da Articulação Temporomandibular (ATM), frequentemente apresentando como sintomas dor muscular, articular e periarticular.

Ele considera que a ATM é a articulação mais complexa do corpo humano e sua disfunção é uma patologia que, depois da lombalgia crônica, é a que mais se constitui em motivo para afastamento do trabalho. A inervação craniofacial depende de várias estruturas anatômicas e funcionais, principalmente do Nervo Trigêmio (mas também de outros nervos cranianos). Essa grande sobreposição nervosa em uma região anatômica relativamente limitada (cabeça, face, pescoço) frequentemente dificulta o diagnóstico da Dor relatada pelo paciente.

A Dor pode afetar áreas como toda a face e o pescoço, podendo também provocar dores de cabeça. As DTM mais comuns incluem: artralgia, mialgia, mialgia local, dor miofascial, distúrbios mecânicos de deslocamento do disco articular (luxação dos discos articulares, com ou sem recaptura), doença articular degenerativa, subluxação e luxação da mandíbula e cefaleia atribuída à DTM.

Além disso, o paciente que sofre das DTM e DOF de maneira crônica é muitas vezes depressivo, que apresenta difícil aderência aos tratamentos propostos e demanda do profissional que se dedica a esta área muita dedicação. Considera-se atualmente que a etiologia das DTM é multifatorial, envolvendo aspectos estruturais, funcionais, e da esfera psíquica. Assim, o profissional que deseja atuar nessa área deve ser treinado para oferecer uma escuta empática, mais atenta, compreensiva aos sofredores de dor crônica que no percurso do adoecimento têm sua a história de vida significativamente alterada. 

Quando a dor se torna crônica ela deixa de ser um sintoma e passa a ser definida como a própria doença. A estreita associação da Dor Crônica com transtornos da esfera psíquica (como Ansiedade e Depressão) torna obrigatória a atuação de uma equipe interdisciplinar capaz de unir saberes técnicos e compor- tamentais de forma que, por meio do compartilhamento do discurso, possa ser estabelecida uma comunicação positiva com o paciente. O profissional deve dominar profundamente o conhecimento da atuação de diversas classes de medicamentos como os analgésicos e antiinflamatórios em geral, corticosteróides, miorrelaxantes de ação central, opióides, anticonvulsivantes, etc, além de se aperfeiçoar nos conceitos da Psicologia. Essa equipe é normalmente liderada pelo especialista em DTM e DOF, que com uma visão global e sensibilidade de saber ouvir atuará em todas as fases. Essas considerações são válidas tanto para as DTM quanto para as DOF. As funções do especialista estão descritas na página da web http://transparencia.cfo.org.br/ato-normativo/?id=375 (Resolução CFO-25/2002 de 16 de maio de 2002) que contém o documento relativo à regulamentação da especialidade.

Em relação à formação acadêmica o currículo de formação do especialista deve contemplar além do conhecimento “biológico” específico as ciências do comportamento, pois a compreensão do fenômeno doloroso como experiência sensorial (que é subjetiva) requer sensibilidade para interpretação do comportamento verbal e não verbal do paciente. Dessa maneira o aluno aprenderá a relacionar os aspectos físicos e psíquicos da queixa de cada paciente para chegar a um diagnóstico da causa da queixa do paciente.

Felizmente, a formação do Dentista especialista na área têm abandonado o aspecto predominantemente tecnicista (época do ajuste oclusal e do tratamento ortodôntico para tratamento das DTM) comum em um passado recente. Desde 1991, surgiu o conceito de Dor Total (Saunders), unindo as dimensões emocional, espiritual e social, nos âmbitos financeiro, interpessoal, familiar e mental.

A partir do reconhecimento da especialidade de DTM e DOF pelo CFO em 2002, criou-se um mercado de trabalho bastante competitivo, principalmente em relação aos pacientes sofredores de dores craniofaciais crônicas até atendidos quase exclusivamente por Médicos Anestesistas e Neurologistas. Com a especialidade iniciaram-se novos cursos de especialização na área e hoje existem aqui em Belo Horizonte vários colegas dentistas responsáveis pelos serviços de DTM e DOF em ambientes hospitalares respeitados, como o Hospital das Clínicas da UFMG ou o Mater Dei, entre outros.

As perspectivas profissionais são boas justamente por ser uma especialidade 'nova', principalmente para atuação profissional no ambiente hospitalar (já que a dor é considerada atualmente como o quinto sinal vital), clínicas particulares e instituições de ensino e pesquisa. Além disso, existe a possibilidade de inserção na rede pública de Saúde, com atendimento nos Centros de Especialidades Odontológicas.

Um trabalho grandioso que tem sido exercido por entidades de classe é o de atualização dos especialistas por meio de vários congressos nacionais e internacionais. No cenário internacional destaca-se o papel da International Association for the Study of Pain (IASP), e aqui no Brasil a Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED) é o seu correspondente. Destaco ainda a atuação da Sociedade Brasileira de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial (SBDOF) que vêm se firmando como a maior e mais representativa sociedade profissional que congrega profissionais interessados nessa área de atuação.

Entrevista realizada pelo Dr. Rodrigo Teixeira
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