Muito Além da Dor

Churrasco gaúcho: iguaria campeira - pelo Dr. Fabricio Finamor de Oliveira

No Muito Além da Dor de hoje, temos a história da Dr. Fabrício de Oliveira com suas raízes gaúchas e o churrasco. Confira abaixo!

A técnica de assar carne ou outros alimentos sobre brasas é utilizada desde que dominamos o fogo. Talvez seja a forma mais antiga de culinária. No Brasil, a forma mais conhecida desse tipo de preparo de alimento é o churrasco, em especial o gaúcho.

O churrasco era e ainda é o alimento principal dos povos desta região do continente americano (na Argentina e no Uruguai essa iguaria também é popular, chama se assado). Nascido nas comunidades indígenas, Charruas e Minuanos, e posteriormente pelos Guaranis catequizados pelos jesuítas no século 17, foi incorporado pelos tropeiros que lidavam com gado. Assava se a carne em pleno campo (na pampa, campos com coxilhas ondulosas), usando espetos de madeira colocados em valas. Do campo para as fazendas, destas para a cidade, o churrasco se popularizou e hoje é apreciado no pais inteiro sendo preparado em casa ou em restaurantes típicos (churrascarias, para nós “espeto corrido”).

Existem diferentes maneiras de se fazer um churrasco: no couro, em valas no chão ou na churrasqueira (ou parrilleiras, se fala “parrijeiras”).
  • No couro, comum no passado, os índios, matreiros, sempre em disparada, assavam a carne sobre o couro do animal pois havendo algum perigo eles enrolavam a carne no próprio couro e fugiam. Hoje é feito somente em alguns festivais tradicionalista no Uruguai; leva em torno de 10hs para ficar pronto.
  • De fogo de chão, o mais tradicional, gaúcho raiz. Faz se um buraco no chão, coloca se lenha, SEMPRE lenha, e ao redor vão pedaços inteiros de costela, ovelha, paleta, todos bem espetados em espetos de ferro ou madeira. Hoje já existem locais próprios para este tipo de churrasco feitos de tijolos refratários o que possibilita fazermos nas cidades.
  • Nas churrasqueiras ou parrilleiras é o mais popular e difundido. Feito geralmente com carvão somente ou misturado com lenha, assa se pedaços menores de carne com cortes variados como a picanha, o vazio, a maminha e a costela. Nas parrilleiras assa se muito o entrecot e costela em tiras menores. Basicamente a diferença entre ambos é que na churrasqueira usamos espeto de ferro ou aço e na parrilleira é utilizado uma grelha de aço.

Muitos são os fatores que influenciam no sabor da carne.
  • Primeiro a alimentação do gado. Os melhores pastos DO MUNDO, estão na pampa gaucho (sem acento mesmo). Carne boa é de gado que pasta, sem ração.
  • Segundo o tipo e idade do animal: raças europeias (Hereford, Angus, Charolês) apresentam carnes marmorizadas com distribuição uniforme da gordura o que confere sabor e maciez; quanto mais precoce o novilho melhor, geralmente a coloração da gordura determina a idade do animal.
  • Terceiro o tipo de corte que será feito e como será temperado: gaúcho gosta de carne gorda bem salgada, isto é COSTELA. Churrasco sem costela salgada com sal grosso, SÓ SAL mais nada, não existe. Já os Hermanos apreciam mais o entrecot, o assado de tiras e a entranha por serem cortes mais fáceis de serem feitos na parrilla e salgado com sal mais fino que o nosso porém grosso também. Picanha quem gosta é o pessoal do Manpituba, do Uruguai para cima (rios que dividem o Rio Grande do resto do pais).
  • E por último a qualidade e intensidade do fogo: tem que ser de lenha, angico, cerdo, quebraxo, paú ferro... sempre forte.

O “churras” tem papel importante na formação da identidade cultural gaúcha. Aqui já se nasce com um pedaço de carne na boca. 
Dá uma carninha para ele chupar, assim já vai pegando gosto...hehe. Nem dente a criatura tem. Minha filha com 2 anos de idade já comia um espetinho de coração de galinha e vazio sozinha.

O gaúcho sempre procura ou inventa um motivo para assar uma carne. Aqui começa se cedo nesta lida. É comum a gurizada do colégio, 14, 15 anos, organizar um encontro da turma com churras e “refri”. Ali já vai pegando o gosto pelo assado, mesmo que com os poucos “pila” só dê para comprar pão, salsichão e um pedaço de costela mingua. Pode ser na churrasqueira do apartamento (aqui todos os apartamentos, casas tem churrasqueira; a gente compra a churrasqueira o resto vem junto) ou no salão de festas ou ainda no latão cortado no meio da praça mesmo, o importante é a parceria.

A tradição manda, e aqui no Rio Grande manda mesmo, que todo o domingo seja o dia oficial do assado, mesmo tendo um dia por lei do churrasco, 24 de abril. Famílias e amigos reunidos em suas casas, nas churrascarias ou nas praças; a partir das 12hs o cheiro de carne no fogo toma conta da cidade, impressionante. Ao lonquear a carne gorda de um churrasco mal passado, usando a farinha para enxugar o sangue escorrido o gaúcho vai contando causos de festas e carpetas enquanto que o engraxar do bigode é limpo com um gole de canha dando assim um tempero especial nesta iguaria campeira.

O pão de cada dia do gaúcho não é feito de trigo é feito de carne, de sangue e de gordura e temos orgulho de comermos o melhor churras do mundo.

Autoria: Dr. Fabrício Finamor de Oliveira 
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